Quando paira sufocante uma sensação de encurralamento, típica de situações históricas sombrias, abrem-se as possibilidades latentes de novos modos de existir. O lugar do Paradoxo. Espaço-tempo, condensado de presentes e passados, desastrosos e hostis, em que as formas se tornam frouxas. Desenvolvem uma polivalência na qual, em um só tempo, pode descambar para uma iluminação completa ou trevas ainda mais profundas. É nesse particular momento que soam urgentes as fabulações e as invenções como exercícios práticos e simbólicos de ser e estar no mundo. As artes, enquanto campo aberto das imaginações, são as pontas de lança que abrem fendas para um novo por vir. Não à toa, em tempos opressores, que tornam impossíveis os modos de vidas plurais, as artes precisam estar em avant-guard. Ser as guardas que vão à frente abrindo caminhos, desfazendo trincheiras, vivendo as primeiras e mais fortes violências em nome de ideias e presenças que marcam mudanças revolucionárias.
Tais revoluções só são possíveis diante das elaborações de novos vocabulários estéticos que são em si uma abertura para novas miradas do ser e do estar no mundo. É nesse contexto que o experimental conduz as sensibilidades para fora do que está dado, e nesse sentido, os pulmões podem ensaiar novos fôlegos ao invés do sufoco. Há nisso uma qualidade de dar às formas uma frouxidão nos significados triviais e que com os significantes atormentados por uma alquimia poética evocam novos corpos, novas maneiras de sentir, novos entendimentos, novos verbos ansiosos para se conjugarem.
Os campos estésicos são lugares em que se tornam possíveis as experiências transformadoras. Um acontecimento apenas possível no encontro entre fruidor(a) e trabalho de arte. Instante, não necessariamente imediato, em que um estado de entropia permite que conhecimentos cotidianos sejam desviados de seus usos triviais para dar lugar a outras formas potentes de significados. A reorganização desses conhecimentos, a partir de nossas próprias histórias, afeto e memória, ao se por em ‘estesia’ com uma obra de arte, retoma para si um desejo narrativo que pode transcender os discursos tradicionais que têm força de normatividade. Uma caminhada poética que surge a partir dali rumo a mudanças de paradigmas.
Dito isso fica o convite para fruir os trabalhos de Alessandra Duarte, Camilla Bologna, Carolina Krieger, Flora Ramos, Leonora Weissmann, Simone Siss e Thais Ueda. Cada uma delas desenvolveu linguagens em campos diversos em que a ‘estesia’ toma lugar: “Campos de cor”, “Campos de fuga” e “Campos narrativos”.
Alessandra Duarte, Camilla Bologna e Leonora Weissmann
“Campos de cor” conectam-se ao nosso corpo perceptivo. As cores atuam como sujeito, e não predicado, num diálogo aberto com quem frui a partir de suas intensidades, deslocamentos no plano, vibrações. É nesse campo que os conhecimentos são constituídos a despeito da razão e da necessidade imediata de querer fazer sentido. As trocas se dão tanto de fora pra dentro, como de dentro pra fora. Uma experiência de inteireza. De unidade com a obra.
Carolina Krieger e Thais Ueda
“Campos de fuga” tomam de assalto nosso imaginário, o lugar do sensível. Buscam por diálogos mais sutis. Um convite à fuga do real pragmático para uma dimensão daquilo que é fugidio. É a experiência contemporânea do que antes foi chamado de ‘sublime’. Contudo, no lugar do encantamento e perplexidade diante das forças da natureza como algo que não se deixa domar pelo imensurável diante da escala humana, tem-se na experiência da natureza e da penumbra uma espécie de arrebatamento interior. São trabalhos que evocam nossos afetos e memórias e que nos arremessam em nossos próprios abismos.
Flora Ramos, Simome Siss e Leonora Weissmann
“Campos narrativos” atuam num movimento pra fora, pra rua. São diálogos que se dão em busca ressignificação dos sentidos simbólicos de nossa experiência cultural. É um chamamento ao nosso ‘corpo-coletivo’ a se posicionar. Um lugar que articula a inquietude. Nesse campo as urgências sociais e políticas protagonizam desejos de mudanças.
Texto integrante da mostra ‘Campos estésicos’ na Galeria DOXX, São Paulo, 2018, por Ana Luisa Lima